“Trial of Early Minimally Invasive Removal of Intracerebral Hemorrhage.”
N Engl J Med. 2024 Apr 11;390(14):1277-1289. doi: 10.1056/NEJMoa2308440. PMID: 38598795.
Ensaios clínicos acerca do tratamento cirúrgico da hemorragia intracerebral espontânea supratentorial geralmente não apresentam benefício funcional e o papel da cirurgia minimamente invasiva precoce ainda não está evidente.
Trata-se de um estudo multicêntrico e randomizado envolvendo pacientes com hemorragia intracerebral espontânea supratentorial, onde foi avaliado o tratamento cirúrgico versus o tratamento clínico isolado. Foram incluídos pacientes com hemorragia lobar ou ganglionar basal anterior com volume 30 a 80 ml, na proporção de 1:1, dentro 24 horas após a última vez que se soube que estavam bem, para remoção cirúrgica “minimamente invasiva” do hematoma mais tratamento médico baseado em diretrizes (grupo cirúrgico) ou apenas ao manejo médico baseado em diretrizes (grupo controle). O desfecho primário de eficácia foi a pontuação média no teste ponderado pela utilidade da escala de Rankin modificada (variação de 0 a 1, com pontuações mais altas indicando melhores resultados, de acordo com avaliação dos pacientes) aos 180 dias. O ensaio incluiu regras para adaptação dos critérios de inscrição com base na localização da hemorragia. O desfecho primário de segurança foi a mortalidade em 30 dias.
Foram incluídos 300 pacientes com hemorragia intracerebral espontânea supratentorial, dos quais 30,7% localizavam-se nos gânglios basais anteriores, e 69,3% eram lobares. Após a inclusão de 175 pacientes, uma regra de adaptação foi acionada e apenas pessoas com hemorragias lobares foram incluídos. A pontuação média na escala de Rankin modificada ponderada pela utilidade em 180 dias foi de 0,458 no grupo de cirurgia e 0,374 no grupo de controle (diferença, 0,084; Intervalo de credibilidade bayesiano de 95%, 0,005 a 0,163; probabilidade posterior de superioridade de cirurgia, 0,981). A diferença média entre o grupo cirúrgico e controle foi de 0,127 (95% Bayesian intervalo de credibilidade, 0,035 a 0,219) nos pacientes com hemorragias lobares e −0,013 (intervalo de credibilidade bayesiano de 95%, −0,147 a 0,116) nos pacientes com hemorragia ganglionar anterior. A mortalidade em 30 dias foi 9,3% no grupo cirúrgico e 18,0% no grupo controle. Cinco pacientes (3,3%) do grupo cirúrgico apresentaram ressangramento pós-operatório e piora neurológica.
Nos pacientes com hemorragia intracerebral espontânea supratentorial lobares, o tratamento cirúrgico minimamente invasivo realizado dentro de 24 horas resultou num melhor resultado funcional em 180 dias comparado a tratamento clínico exclusivo.1
COMENTÁRIOS:
Este artigo expõe um questionamento comum na neuroemergência acerca do tratamento dos hematomas intracerebrais espontâneos: operar ou não operar? 2,3 Neste trabalho a decisão operar foi assertiva nos pacientes com hemorragias lobares, porém não teve o mesmo resultado nos pacientes com hemorragias ganglionares anteriores.
Alguns pontos merecem destaque:
O tratamento cirúrgico das hemorragias intracerebrais espontâneas evoluíram em tecnologia e resultado. Um bom resultado cirúrgico é considerado quando o volume residual em relação ao volume pré operatório é menor que 15 ml 4 e a drenagem da hemorragia Intraventricular é maior que 80% 5. Considerando estes alvos cirúrgicos como de excelência, 17,3% dos pacientes não obtiveram um resultado cirúrgico “adequado”. O que pode ser justificado pela heterogeneidade de neurocirurgiões (59 profissionais de 37 centros diferentes).
Neste estudo, o critério de inclusão foram hemorragias intracerebrais espontâneas lobares e ganglionares anteriores com volumes moderados (30-60 ml) e grandes (> 60ml, 60-80 ml) e variação etária entre 18-80 anos. A mediana do ICH SCORE foi 2, estimando uma mortalidade em 30 dias de 26%6 e 44,44%7 na validação brasileira do mesmo. No entanto, a mortalidade em 30 dias foi de 9,3% no grupo cirúrgico e 18% no grupo controle.
O volume da hemorragia intracerebral espontânea é uma variável independente de mortalidade sendo sua precisão, principalmente na avaliação dos resultados cirúrgicos de extrema importância. A metodologia de Kothari subestima o volume dos hematomas em 14,9% em relação ao método planimétrico. Neste estudo, foi utilizado o método de Kothari o que pode inferir imprecisão nos resultados.8
A hemorragia Intraventricular é uma variável de mau prognóstico estando relacionada a hidrocefalia e a hipertensão intracraniana. Neste estudo, apresentaram hemorragia intraventricular 65 pacientes do grupo cirúrgico e 59 pacientes do grupo não cirúrgico. Foi realizado craniectomia descompressiva em 35 pacientes. Porém, não foi relatado ocorrência de hidrocefalia, utilização de derivação ventricular externa e/ ou monitorização da pressão intracraniana.
O prejuízo da autorregulação cerebral em pacientes com volumes moderados e grandes pode ocorrer sem que haja benefício do tratamento cirúrgico. Nestes casos, após a retirada do hematoma ocorre um inchaço hiperêmico com hipertensão intracraniana refratária. Outra variável relacionada ao prognóstico funcional é a integridade da via piramidal e da consciência. Pequenas hemorragias com lesão da via piramidal resultam em um pior prognóstico funcional apesar do resultado cirúrgico está “adequado”.9-13
Outra julgamento metodológico deste estudo é a avaliação da eficácia baseada na escala de Rankim modificada e ponderada. Pacientes com lesões ganglionares podem ter acometimento da via piramidal e da consciência, em especial as conexões tálamo-corticais ocasionando dependência física e alterações do estado da consciência. A utilização Coma recovery scale 14 poderia avaliar melhor o resultado do tratamento cirúrgico principalmente nas hemorragias ganglionares anteriores por ter uma avaliação mais completa (avaliação da função auditiva, função visual, função motora, função oromotora/verbal, comunicação, despertar ).
Portanto, o ENRICH consolida o tratamento cirúrgico dos hematomas lobares permanecendo a incerteza e a futilidade dos hematomas ganglionares anteriores. A padronização de resultados cirúrgicos em adequados e inadequados, a avaliação independente da lesão da via piramidal e tálamo-cortical e a utilização do coma recovery scale como ferramenta de eficácia poderão modificar os resultados deste tão importante estudo.
REFERÊNCIAS:
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